a era "clean girl" é meio close errado?
8# sim, ainda dá tempo de discutirmos essa tendência antes de ela morrer
se você é um nativo digital, provavelmente já esbarrou com algum conteúdo sobre essa tal de moda clean girl. esse é um conceito muito abrangente e complexo que deve ser observado com atenção. é isso o que faremos aqui.
a narrativa construída para sustentar essa tendência soa como algo muito positivo: se alimentar bem, se exercitar, cuidar do seu corpo e viver de maneira minimalista. isso não só é válido, mas também é muito importante para que os adolescentes se sintam motivados a adotar uma rotina mais saudável — eu, que assistia skins aos 15 anos de idade, adoraria ter uma referência menos autodestrutiva na época.
mas é claro que esse papo, na prática, vem com uma série de comportamentos contraditórios e nocivos. esse tal de minimalismo não existe, você precisa de milhares de produtos caríssimos para o seu dia a dia, o discurso é extremamente elitista e rola um fetichismo muito louco com tudo o que é branco, bege, claro e… limpo.
clean girl, na tradução literal, é “garota limpa”. o título por si só já me assusta porque na história da nossa civilização essa busca pela pureza nos levou a lugares sombrios cujos fantasmas nunca deixarão de nos assombrar. eu não tô dizendo que a hailey bieber, rainha das clean girls, é fascista (pelo amor de deus!) — mas a gente precisa entender que todo esse papo de limpeza não está atrelado apenas aos hábitos de skincare. a discussão não para por aí. eis o porquê!
a foto da hailey bieber pode inspirar muitas mulheres a cuidarem da própria aparência e isso é show, mas não podemos nos esquecer de quem ela é e quem somos nós. tô falando dela, mas poderia ser qualquer influencer ou celebridade que contribui com a propagação desse lifestyle. vamos fazer um comparativo para que a gente se situe dos papéis que cada um ocupa nessa reflexão?
ela é uma 1) celebridade 2) que vem de uma família que já era rica — old money mesmo, tá? 3) e que é dona de uma marca gigantesca de beleza, a rhode. mais do que promover os benefícios de ser uma clean girl, ela lucra (e lucra gostoso) com tudo isso.
do outro lado estamos nós, com uma carga horária semanal de trabalho de 44 horas (ou mais), transitando entre os transportes públicos lotados, pagando parcelas do cartão de crédito e salvando fotos da hailey bieber no pinterest.
nós não ocupamos o mesmo espaço nesse mundo e talvez a gente nunca vá. o convite que eu faço aqui é que haja uma ponderação real do que é uma inspiração e o que é uma busca incessante por status.
sendo bem sincera, eu acho que a hailey sustenta o rótulo de nepo baby como ninguém. todos os privilégios que ela teve ao longo da vida resultaram em uma pessoa com muita criatividade e - principalmente - recursos. e ela soube aproveitar muito bem isso. veja, minha crítica não é ao fato de que ela tá ganhando milhões de dinheiros com um produto besta como o lip case (uma capinha de celular com suporte para o gloss da marca dela), eu tô brava é com o capitalismo tardio que faz com que essas milhões de pessoas encontrem nesse produto algo indispensável para ter validação e algum tipo de personalidade. o sistema se alimenta disso.
no fim das contas, deixar as mulheres tão self aware com a aparência é uma das maneiras mais antigas de gerar lucro às grandes empresas e aos espertinhos de plantão. essa semana, por exemplo, eu vi uma esteticista que explica o que é essa tendência e aproveita para vender o seu peixe: “para você não ficar insegura com o seu rosto de perfil ao prender o cabelo como uma clean girl, você pode fazer o procedimento xyz para deixar o seu nariz mais harmônico com o resto do rosto e ainda demarcar o seu maxilar”. juro!
e quando eu vejo nas redes sociais as pessoas falando que estão removendo suas tatuagens com laser para atender às expectativas de uma clean girl, eu não consigo deixar de associar às mulheres da era vitoriana que pintavam seus rostos de branco pra mostrar que não estavam bronzeadas — afinal, pegar bronze era coisa de gente que ficava na lavoura o dia inteiro. a diferença é que hoje isso é mimetizado com “no-makeup makeup”, coques colados perfeitos e calças de alfaiataria bege.
a @jaderainbeauty 🔍 fez um vídeo falando sobre como as mulheres do século 18 usavam tintas a base de vinagre que poderiam causar até infertilidade - em um momento cujo o valor de uma mulher vinha da sua capacidade de parir - somente para ficarem mais brancas. até mesmo eram desenhadas veias azuis na testa para realçar a palidez da pele. no fim, ela ainda deixa uma provocação sobre como mesmo hoje em dia usamos produtos nocivos à nossa saúde somente para ficarmos bonitas. e brancas.
“ah, lele, mas cê tá falando do século 18” — meu amô, olha o tanto de creme clareador sendo levados das prateleiras diariamente. fora as famosas receitinhas caseiras com misturas químicas doidas que prometem milagres para a pele. além disso, agora tatuagem é sinônimo de sujeira e tem gente que ainda acha que isso é perfeitamente normal.
a @vanessarozan 🔍 elevou essa discussão para outro nível trazendo registros históricos de como todo esse discurso de clean girl vem de uma herança elitista, racista e higienista que pintou boa parte da história do brasil e do mundo. ela traz registros pavorosos de manuais de beleza feitos para ditar o que era uma mulher feia e o que era uma mulher bonita e como isso determinaria se ela seria uma pessoa boa para viver em sociedade. é punk demais saber que isso é vida real.
antigamente era de um jeito, agora é de outro e amanhã será de outro — talvez com uma carinha diferente, mas sempre com o mesmo propósito de fazer mulheres se sentirem insuficientes, seja por capital ou poder.
você pode fazer absolutamente o que quiser com o seu corpo, com o seu dinheiro e com a sua vida, mas fuja dessa cilada de achar que você precisa de um produto de prateleira para resolver todos os seus problemas. é exatamente dessa fragilidade que o mercado precisa para enfiar mais e mais delírios de consumo nas mulheres com a fantasia de que só assim elas vão ter uma vida melhor. that’s fucking bullshit.
agora te convido a compartilhar seus pensamentos aqui nos comentários. vamos levar essa discussão a diante!